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Querido diário,
quarenta e seis dias volvidos de isolamento social e de teletrabalho tenho aprendido muitas coisas sobre mim própria e sobre os outros.
Descobri , por exemplo, que sou mais tolerante à dor do que pensava.
E que o "voyerismo" ainda se pratica sobretudo se se tiver por perto uma mangueira para regar as plantas. Desde que esteja aberta.
Constatei isto tudo quando, numa tarde de sábado, tive a brilhante ideia de me por ao Sol na Varanda.
Durante a exposição solar achei que era boa ideia levantar as calças do fato de treino que vai parar ao lixo mal acabe esta merda toda até ao joelho para ganhar uma corzinha.
Percebi que a teoria de que descendemos dos animais se confirma mas não acertou no animal. Eu não descendo do macaco, mas sim do porco. Rosadinha, gorda e com mais pêlos nas pernas do que um bocado de toucinho.
Primeiro pensei em chamuscá-los com um isqueiro mas confesso que o cheiro me incomodou um bocadinho. Não que tivesse tentado. Contaram-me.
Depois, tive uma ideia melhor. Fui buscar uma pinça e decidi tirar os pêlos um por um. Fiquei na varanda umas boas duas horas e não tirei nem metade. Não apanhei bronze nenhum mas ganhei uma dor nas costas bestial . Ah, e também fiquei com as pernas todas malhadas pois onde consegui tirar a pelanga ia ficando uma mancha vermelha. A sensação é igual à de estar no deserto num dia de vento a levar com areia fininha pelas trombas. Mas sem os camelos.
Por falar em camelos, o vizinho da casa em frente à minha presenciou o início do espetáculo à borla. Quando dei conta decidi acabar-lhe com a alegria . Se me fui embora? Nã. Fiz pior. Virei-me de costas para ele. Quer espetáculo, pague. Não há guita? Não há palhaços.
Quando já não aguentava com as costas e me consegui levantar , fui para dentro beber um galão e comer umas bolachinhas.
Sinceramente não percebo porque é que as pessoas passam a vida a reclamar e se entediam tanto por estarem fechadas em casa...
Há montes de coisas giras que podemos fazer para nos mantermos mentalmente sãos:
Querido diário,
aos vinte dias de isolamento social percebo que as portas da minha casa estão cada vez mais estreitas e que , sim senhor, é possível comunicar através de monossílabos ou grunhidos.
A paciência e a tolerância estão a ser postas à prova assim como a resiliência com que espero pela minha vez de ir à casa de banho. Somos três e a casa de banho é só uma. Só espero que os meus intestinos continuem a colaborar.
Daqui a poucos dias o meu pai fará anos e pela primeira vez não vou poder estar com ele. Numa altura que o isolamento social é imperativo, penso sempre se estarei mesmo a ser boa filha ao cumpri-lo como me mandam...
Tenho poupado imenso com esta coisa da quarentena: não gasto base, nem perfume, nem perco tempo a escolher o que vestir. A indumentária é sempre a mesma. Só variam as cores. E tudo roupinha que não precisa de ferro. Uma maravilha.
Há várias televisões cá em casa mas a mais disputada é a da sala. Muito filme com porradaria e tiros se tem visto nesta casa! Tudo coisas em consonância com a serenidade que se quer nesta época. Estou por tudo. Quando não gosto, ponho os auscultadores e vejo o que quero no telemóvel. Não vale a pena estar a criar mais atritos certo? Certo. Mas não prometo que dure muito! De qualquer forma, o que conta é o esforço, não é ?
Amanhã, em circunstâncias normais, seria dia de ir à esteticista.
Tenho pensado muito nela...
Nada como o isolamento para nos dar a visão nítida das pessoas que fazem realmente falta nas nossas vidas:
Querido diário,
ao décimo dia de isolamento social decidi registar alguns pensamentos que deverei ter em conta :
1- quando me derem aqueles ataques de fúria de cada vez que o gajo me pergunta "onde é que vamos?",e eu, feita cona de sabão, responder "a lado nenhum que quero ficar em casa!",hei-de lembrar-me da quarentena;
2- de cada vez que pensar com os meus botões que não compreendo as 'ssoas que não gostam de ficar em casa, hei-de lembrar-me da quarentena;
3- de todas as vezes que amaldiçoar as idas ao supermercado, hei-de lembrar-me da quarentena;
4- sempre que pensar em adiar a ida à cabeleireira retocar as madeixas que p'ra semana também vou a tempo apesar das raízes já chegarem a meio da cabeça, hei-de lembrar-me da quarentena;
5- todas as vezes que engendrar uma desculpa para não ir à depilação que, by the way, começa a (des)compor-se, hei-de lembrar-me da quarentena;
6- quando a minha filha quiser ir comprar roupa confortável para andar por casa e eu olhar com desdém pois jamais vestiria semelhante coisa, credo, hei-de lembrar-me da quarentena;
E com estes pensamentos bem registados ,vou voltar para uma atividade que aprendi recentemente e que tem sido a única maneira de me manter em forma :
#cadaumfazoquepode
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